O Milagre de Calanda é um dos mais incríveis e exaustivamente documentado na história da Igreja Católica. Reconhecido oficialmente em 1641 pela autoridade eclesiástica, ele se destaca por envolver a restituição de um membro amputado pela intercessão de Nossa Senhora do Pilar. As autoridades eclesiásticas da época e do inquérito de investigação instaurado qualificaram o milagre como "inaudito em todos os tempos".
Sua história está profundamente enraizada no ambiente social, geográfico e religioso da Espanha do século XVII, um período de fervorosa fé e devoção popular. Ocorreu na região da Baixa Aragão. Calanda, o vilarejo natal de Miguel Juan Pellicer, e Saragoça, são as cidades onde se desenvolve a história do milagre. A sociedade da época vivia a fé de forma fervorosa, e a peregrinação para santuários era um gesto de profunda confiança na providência divina. Dentro desse contexto, a devoção a Nossa Senhora do Pilar de Saragoça era de importância incalculável para a vida religiosa de toda a Espanha.
A tradição católica discorre que a Virgem Maria apareceu ao Apóstolo São Tiago, o Maior, no ano 40 d.C., para o confortar em sua pregação, deixando como testemunho a coluna de alabastro sobre a qual repousou os pés. Esta devoção, central para a fé de Miguel, foi o que o impulsionou a empreender uma jornada que para ele era uma peregrinação de esperança.
Miguel Juan Pellicer, nascido em Calanda em 1617 em uma família de lavradores, deixou a casa dos pais aos 19 anos para trabalhar na fazenda de um tio em Castellón. Foi lá, no final de julho de 1637, que sua vida mudou drasticamente. Ao cochilar enquanto guiava um carrinho puxado por mulas, caiu e uma das rodas passou sobre sua perna direita, esmagando a tíbia.
Após tratamentos iniciais em Castellón e uma breve internação de cinco dias no hospital de Valência, Miguel, impulsionado por sua profunda devoção, decidiu partir para Saragoça. Foi uma longa jornada de 300 quilômetros que demorou cerca de 50 dias, suportando dores intensas sob o calor do sol, um suplício de dor.
Ao chegar a Saragoça, Miguel se arrastou até a Basílica de Nossa Senhora do Pilar, onde se confessou e recebeu a Eucaristia, antes de ser internado no Hospital Real de Graça. Os médicos, ao examinarem a perna que estava em estado avançado de gangrena, concluíram que a única maneira de salvar sua vida era a amputação. A operação foi realizada por dois cirurgiões. A perna foi cortada quatro dedos abaixo do joelho, e a ferida foi cauterizada com ferro incandescente. O membro amputado foi recolhido por um jovem médico e enterrado no cemitério anexo ao hospital.
Após a cirurgia, Miguel passou a viver de esmolas às portas do Templo de Nossa Senhora do Pilar. Sua rotina era um testemunho de sua fé:
Ele participava da Missa diariamente e, comum gesto de profunda devoção, ungia o coto de sua perna amputada com os óleos das lamparinas (depois de já terem esfriados) que ardiam diante do Tabernáculo do Santíssimo Sacramento. A lamparina que queima com o óleo perpetuamente diante da Eucaristia simboliza a adoração constante a Jesus presente e vivo dentro do Sacrário. Ao usar este óleo Miguel se valia de um sacramental que o conectava diretamente à presença de Cristo e à intercessão de Nossa Senhora do Pilar.
Depois de mais de dois anos de mendicância e fervorosa devoção em Saragoça, Miguel decidiu retornar à sua família em Calanda. Na noite de quinta-feira, 29 de março de 1640, por volta das 22h, ele se sentiu cansado e foi se deitar em um leito improvisado no quarto de seus pais, pois um soldado estava hospedado em sua casa ocupando seu quarto. Segundo seu relato, ele se recomendou a Nossa Senhora do Pilar, como fazia todas as noites, e sonhou que estava na Basílica, ungindo a ferida de sua perna com o óleo sagrado, já frio, das lamparinas do Sacrário, um hábito que mantivera durante seu tempo em Saragoça.
Pouco depois, por volta das 22h30, seus pais entraram no quarto à luz de um candil. Eles foram imediatamente surpreendidos por um "perfume intenso e agradável, descrito como 'do Paraíso'". Ao se aproximar para verificar como o filho estava, a mãe viu algo que a fez estremecer: debaixo das cobertas, ela viu não um, mas dois pés. O milagre havia ocorrido: a perna direita de Miguel, amputada dois anos e cinco meses antes , havia sido restituída milagrosamente.
A perna restituída, no entanto, não era uma "versão nova". Os testemunhos relatavam que ela conservava as marcas de antes de ser amputada, incluindo a grande ferida que causou a gangrena e a cicatriz da amputação, que estava perfeitamente fechada. Além disso, uma investigação no cemitério do hospital de Saragoça confirmou que a perna que havia sido enterrada ali havia desaparecido, sem deixar rastros.
A notícia se espalhou rapidamente, e a documentação começou imediatamente. No dia seguinte ao evento, 30 de março de 1640, o notário real foi chamado a Calanda para registrar os depoimentos de mais de vinte testemunhas oculares, incluindo o soldado que estava na casa e os vizinhos. A existência deste certificado notarial original é uma das evidências centrais do caso.
O inquérito eclesiástico foi iniciado em 5 de junho de 1640 e foi conduzido com extremo rigor, com o Arcebispo presidindo o processo auxiliado por nove teólogos e canonistas. O processo incluiu o interrogatório de 24 testemunhas, entre as quais os médicos e cirurgiões que haviam realizado a amputação anos antes, os quais confirmaram que a perna de Miguel havia sido removida e descartada.
Após meses de investigação, o Arcebispo de Saragoça emitiu a sentença definitiva em 27 de abril de 1641. No veredicto, declarou-se: "Decidimos, pronunciamos e declaramos que a Miguel Pellicer... lhe foi restituída milagrosamente sua perna direita, que antes lhe haviam cortado, e que tal restituição não foi obrada naturalmente, mas sim prodigiosa e milagrosamente...".
A sentença concluiu que o evento cumpriu todos os requisitos do Direito Canônico para ser considerado um verdadeiro milagre e "inaudito em todos os tempos".
Veja o vídeo que montamos (imagens de IA) para nosso Instagram sobre esse grandioso milagre CLICANDO AQUI.
Referências: Catedral de Zaragoza, Miracoli Eucaristici, Nazare TV, Blog Universo Católico